Figueira da Foz

FIGUEIRA DA FOZ, A Biarritz Portuguesa

24 ago 2019 min de leitura

 "A Biarritz Portuguesa"
 
 
No final da I Guerra Mundial, a propaganda – termo então em voga para a atual publicidade – apresentava a Figueira da Foz como a praia mais próxima de Madrid, muito frequentada por espanhóis e considerada “uma das maiores e principais da península”.
 
A inauguração do último troço da Linha da Beira Alta, em 1882, foi decisiva para assegurar a ligação ferroviária ao país vizinho e facilitar a morosa ligação a Coimbra, que em 1876 – ano em que Ramalho Ortigão publicou “As Praias de Portugal” – era assegurada por uma pitoresca e incómoda carreira diária da diligência. “Quer o viajante chegue a Coimbra às 3 e meia horas da tarde, quer chegue às 4 horas da manhã, tem de esperar até às 6 horas da manhã ou até às 2 e meia da tarde para poder seguir viagem para a Figueira na diligência que gasta seis horas” para percorrer os 45 quilómetros que separam as duas cidades, e cobra “1$000 réis por cada lugar”.
 
Ramalho não gostava de Coimbra, ou pelo menos não gostava de boa parte da sua população, e reflete isso na crónica que fez sobre a vizinha estância balnear. “O viajante sente ao entrar na Figueira, no tempo dos banhos, uma impressão semelhante à que se experimenta penetrando nos gerais da Universidade em dia lectivo. É a impressão do lente, do pedagogo, da aula. Tem-se uma espécie de terror mesclado de tédio. Há uma atmosfera especial de pedanteria, de vigor e de troça. Aspira-se vagamente o cheiro dos sapatos e das velhas batinas gordurosas na aula quente e fechada”.
 
Irónico e mordaz, o autor que escreveu “As Farpas”, em co-autoria com Eça de Queirós, gasta metade da crónica a discorrer sobre o “chinfrim e maneiras esbandalhadas” das gentes de Coimbra, para concluir que a “Figueira participa do caráter que tem Coimbra, um pouco para pior, porque os estudantes que frequentam a Figueira são ordinariamente os piores, os mais broncos, os que não saem de Coimbra (...)”.
 
A única certeza que temos é que os espanhóis ignoraram o sarcástico arraso de Ramalho, porque a Figueira era uma estância balnear com condições ímpares. A construção do chamado Bairro Novo na zona oeste da povoação, criado no final do século XIX para servir a elite cosmopolita que vinha a banhos, foi decisiva para cimentar a fama da boa qualidade da praia.
 
Em 1918, o guia da Sociedade Propaganda de Portugal informava que “nos meses de verão, de junho a setembro, e mesmo em outubro ainda, a animação que apresenta é deveras empolgante. As suas ruas, as avenidas da beira-mar e os terraços dos seus cafés e casinos” fazem lembrar os “boulevards franceses ao cair da tarde”. Os banhistas tinham uma vida intensa, passando as manhãs nas praias, as “tardes nos concertos e as noites nas diversas representações e bailes dos casinos” – como o Grande Casino Peninsular, “um dos mais amplos do país e mesmo da península”, o Casino Mondego, mais modesto, o Casino Espanhol, que como o nome indica era mais frequentado por espanhóis, e o Casino Oceano.
Cafés, teatros, o Coliseu cuja arena acolhia espetáculos de toureio e garraiadas dos estudantes de Coimbra, contribuíam para a animação bem como passeios pelos arredores, piqueniques e burricadas. Ninguém era esquecido naquilo que então se consideravam diversões, havendo o Tennis Club para os amantes da modalidade e casas de tolerância [casas de alterne] para os veraneantes do sexo masculino, que às mulheres era imposto o devido recato.
 
Uma publicação do museu local lembra-nos que no final do século XIX esta extensa praia – com mar mais calmo que as anteriores – chegou a ser conhecida como a Biarritz Portuguesa. Humberto Lima, que ali levava os quatros filhos a banhos na década de 30 do século passado, pagava “mil ondas” ao banheiro para assegurar a segurança das crianças.
 
À semelhança do que acontecia na Póvoa de Varzim e em Espinho, a origem social dos banhistas mudava ao longo da estação balnear. Julho era o mês escolhido pela população dos arredores da Figueira, agosto e setembro por escritores, políticos, e pelas famílias abastadas de Coimbra, Lisboa, Viseu e outras zonas do interior, bem como pelas espanholas. Os chamados ‘banhistas de alforje’ vinham em outubro e nas primeiras semanas de novembro, depois de terminarem as colheitas nas Beiras ou no Alto Alentejo, consoante a zona geográfica a que pertenciam.
 
Mais do que o sol e a areia, o que contava era a saúde que o ar do mar garantia. Se estivesse muito frio, os Banhos do Paúl, “propriedade do médico Pereira das Neves”, ofereciam “banhos quentes de imersão, salgados, sulfurosos, alcalinos, arsenicais, gelatinoses, duches frios, quentes e ‘escosseza’, de crivo ou de colar”, como recorda a informação sobre o tema do Museu Municipal da Figueira. Um bálsamo para quem não gostava de areia ou das águas batidas do oceano que faziam gelar os artelhos.
 





Fonte: espresso.pt

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